quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Arrebentação

 




A três mil e seiscentos degraus, no farol mais alto estava eu, perto de Deus, a falar com o vento, ventríloquo perfeito que carrega o boneco do tempo nos joelhos.

Como passas pelas ruas com tua carruagem de prata, levando as tardes desmaiadas e trazendo a noite no colo?

Eu estou aqui, onde um dia alguém chamou de longe, só pra contar tua estória. Sei que enxergas de perto o olhar crucificado das estrelas e derrubas muros de pétalas. Mas poderias ensinar-me o assovio que aprendestes com as venezianas?

Aqui do mar, quando bebes, eu vejo espuma em tua boca bem nas bordas da praia. Vejo teus olhos embriagados e transbordados pelo sóis que não vieram.

Se não fosse por ti, eu não arriscaria meu veleiro procurando agosto, melancólico mês em que nasceste filho primogênito de uma brisa passageira...

Eu quero que me contes de tuas andanças desde os moinhos até dos meus versos que espalhastes nos calabouços. Desde que entravas nos quartos alheios engravidando as cortinas, até quando enlaçavas as chamas das velas nas procissões, fazendo-as dançar as mesmas canções sensuais dos salões...

Mas e o amor, que é pra ti? Será esse vendaval que ainda está por vir ou o teu último sopro que morrerá ou avivará a chama dentro de mim? Por que não vais lentamente com toda ternura fazer o parto, o crescimento e a morte de um fruto? E não sei porque corres tanto se tens o dom de pressentir a chuva.

Ah, eu te vejo por inteiro sim! Quando mordes e mastigas a ausência de tudo, e pelas frestas te espio com os lábios roxos de frio! Sei que o redemoinho da água é o reflexo do teu rosto e quando adormeces tens que afastar os lilases dos crepúsculos. Eu te vejo tão perto que sinto até teu beijo morno de outono em minhas mãos.

Se eu soubesse chamar Éolo, teu Deus, filho de Júpiter e Menalipo, eu pediria para ajudá-lo nesse desatino em que vais sem direção.

Ah, se eu pudesse alcançá-lo! Mas teus olhos se atiraram nos abismos dos meus fazendo-te em pedaços num frágil suspiro. Ninguém acreditará que eu o tive enchendo meus olhos de ciscos nesse teu jeito que eu gosto tanto de menino travesso cutucando os temporais com os dedos.

 

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